UN PRINCIPE MERCANTE AO SUL DO EQUADOR. ANGELO FIORITA: IMIGRAÇÃO E NEGÓCIOS ENTRE BRASIL E ITÁLIA1

Il 23 maggio giunse da Rio Janeiro, col piroscafo Washington, l’egregio signor Angelo Fiorita, agente generale della Società di Navigazione La Ligure Brasiliana e Navigazione Generale Italiana.
Il signor Angelo Fiorita – che, malgrado la tarda età, si conserva pieno di spirito e robusto como un giovinotto – fu ricevuto al porto dai suoi congiunti e da numerosi amici ed estimatori.
All’illustre connazionale, all’operoso comerciante, che da un mezzo secolo, con l’ingegno, il lavoro indefesso e l’onestà, tiene alto ed onorato il nome italiano al Brasile, il nostro rispettoso saluto ed i nostri migliori auguri di prosperità.

Com palavras elogiosas por parte da revista L’Amazzonia. Assim era recebido em sua província natal, a Ligúria, o negociante Angelo Fiorita, em meados de 1899. A revista certamente não era das mais importantes da Itália , sendo editada, inclusive, por um grupo de homens de negócios a ele associados por interesses em comum nos dois lados do Atlântico e por laços familiares. Impossível negar, porém, que Fiorita adquirira, com o passar de algumas décadas, grande respeito no ambiente comercial e armatorial da cidade de Gênova, sobretudo quando comparado à época de sua emigração para o Brasil, em meados do século XIX, para se estabelecer em uma província do norte do império.
Após trabalhar por algum tempo no comércio em Pernambuco, mudouse para o Rio de Janeiro, onde fundou sociedades de importação de produtos italianos, representação de companhias de navegação e exportação de café e algodão. Anos depois, com firmas em São Paulo e Santos, começou a recrutar emigrantes através de contratos de introdução de imigrantes com o governo paulista, transformandose no maior negociante de braços europeus que se dirigiam ao Brasil. Um homem de negócios enriquecido com o comércio de mercadorias, mas também de pessoas, que em certo sentido concretizava o ideário individual e coletivo do emigrante que partia pobre ou com poucas economias para tentar “fazer a América”.
Se em termos individuais, o objetivo específico era o enriquecimento, sob o ponto de vista coletivo, a questão ampliavase até adquirir contornos nacionais que, no contexto histórico do expansionismo europeu de fins do século XIX, transformavase em projeto político para a elite econômica e intelectual de uma Itália recémunificada. Expectativas que não eram estáticas, mas bastante fluidas como reflexo das modificações pelas quais passou a sociedade italiana no período em questão. No âmbito deste artigo, serão consideradas como reflexo dessas mudanças duas obras de economistas contemporâneos, cujas especificidades atrelavam o desenvolvimento do reino ao movimento emigratório.
A primeira delas, Delle migrazioni transatlantiche degli italiani ed in especie di quelle dei liguri alle regioni del Plata: cenni economico-statistici , foi publicada em 1868 pelo genovês Jacopo Virgilio. Estudo que defendia a emigração italiana para a região do Prata como estratégia de desenvolvimento do comércio e da marinha mercante italiana, sob a perspectiva das tradicionais famílias de armadores. A segunda, Un principe mercante: studio sulla espansione coloniale italiana , escrita pelo piemontês Luigi Einaudi, em 1900, relatava a história de sucesso do empreendedor chamado Enrico Dell’Acqua que havia emigrado para o Novo Mundo, tendo como pano de fundo a expansão do capitalismo italiano. Separados por três décadas, os dois estudos alcançaram grande repercussão e balizaram as teorias expansionistas ligadas à emigração. O livro de Virgilio destacava se pela visão mercantilista atrelada às tradições marítimas genovesas, a serem reavivadas pelo incremento do transporte transoceânico de emigrantes. O de Einaudi, pela defesa de mercados para a indústria que se desenvolvia no norte, considerando a emigração como um dos motores do capitalismo peninsular. Em comum, o desejo expansionista e de potência econômica que ganhou corpo durante o Risorgimento e a industrialização da região setentrional do reino, sintetizado no sonho de La Più Grande Italia, com suas colônias étnicas espalhadas pelo Novo Mundo, especialmente nas repúblicas da Argentina e Uruguai e no império do Brasil, principais destinos dos emigrantes italianos na América do Sul.
A proposta deste artigo, portanto, consiste em analisar a trajetória de Angelo Fiorita como negociante e “mercador de braços” sob o prisma das obras de Jacopo Virgilio e Luigi Einaudi. Afinal, os emigrantes tornaramse o principal produto de exportação italiano a partir das décadas finais do século XIX, como bem notou Francesco Nitti, em 1888, ao diagnosticar que a emigração era o resultado do débil desenvolvimento econômico do reino que, sem condições de exportar mercadorias e capitais, exportava homens: “Fino a quando noi non saremo un grande paese esportatore di merci, e le nostre industrie non avranno una forza motrice ed uno sviluppo almeno dieci volte superiore a quello attuale, noi saremo per necessita un paese esportatore di uomini”.

1. O EXPANSIONISMO ITALIANO
A tentativa de estabelecer relação direta entre emigração para a América e exportação, integrando a economia italiana ao sistema internacional, confundiuse com o movimento migratório pelo porto de Gênova, o maior e mais tradicional da Ligúria . Datam da década de 1860 os estudos de Jacopo Virgilio, economista ligado aos armadores e ao comércio de Gênova, que vislumbravam as possíveis vantagens comerciais da associação dos primeiros movimentos consistentes de expatriação transoceânica com o comércio de importação de peles e lãs e exportação de produtos italianos. A ideia era estabelecer a compensação dos fretes para os navios que na ida transportavam a rica mercadoria constituída pelos emigrantes e, na volta, as matérias-primas “peso-perdenti” .
A região do Prata, pela tradição do comércio e pela antiga presença de lígures, era vista como extensão natural da península italiana, ou seja, uma colônia em potencial. Poucos anos antes de Jacopo Virgilio escrever seu livro, o jornal La Borsa já publicava artigos indicando o Atlântico sul como caminho para a expansão.

Il Plata è uno dei punti ove li Italiani si sono di preferenza concentrati, attivando fra quella località e l’“Itália un traffico di non piccola importanza… I nostri connazionali oltre al traffico stabilito con vari porti italiani, ma principalmente con quello di Genova, traggono colà non lievi profitti dall’esercizio di industrie personali.

Foi, aliás, nesse jornal que Virgilio redigiu inúmeros artigos. Defensor de teses liberais, criticava o modelo de colônia desenvolvido às custas do Estado, subordinado às suas leis e dependente politicamente – “Noi siamo convinti che quando l’Italia avesse un diretto dominio su Montevideo e Buenos Ayres, tutta la prosperità di quelle colonie, tutti i vantaggi che la nostra nazione attualmente vi ricava, sfumerebbero” . Sua preferência era outra, baseada em colônias fundadas gradualmente com indivíduos que para lá se dirigiam espontaneamente, onde seriam tratados pelos respectivos governos como cidadãos e teriam condições de exercerem suas atividades econômicas.
Em seus escritos, Virgilio imaginava como deveria ser essa colônia em terras meridionais do outro lado do Atlântico, exaltando, além das prerrogativas econômicas, sua função político-social.

Una colonia pacifica e liberale, che rispetti tutti i diritti e tutte le liberta, tanto presso gli indigini che presso gli emigranti; una colonia la quale non imponga alcun sacrifizio al pubblico tesoro, è considerata come un mezzo efficace per propagare i germi di civiltà e disgravare le vecchie popolazioni da quell’esuberanza, la quale tende a diminuire l’agiatezza generale degli individui.

Para o economista, o tipo de colônia que a Itália necessitava nada mais era do que vastos centros de população italiana no exterior, formados pela livre escolha dos emigrantes, onde encontrariam fraterna hospitalidade no país de acolhimento . Esse era o caminho para se estabelecer um tráfico comercial intenso no Atlântico sul, e assim desenvolver não só a marinha mercante, mas também a economia do reino. O ressurgimento marítimo italiano, na opinião de Virgilio, devia muito à emigração. Foi o transporte de emigrantes que inicialmente tornou rentável as viagens de ida, pois a demanda por produtos italianos ainda era mínima.
Os italianos residentes no exterior incentivariam as relações comerciais, divulgando os produtos da colônia e preparando a mesma para receber os artigos da península. Um tráfico de especial interesse para marinha do reino, sobretudo em relação aos fretes das exportações, compensados pelo valor arrecadado com as passagens de 3a classe . Recorrendo às estatísticas do comércio e da indústria dos anos de 1864, 1865 e 1867, elaboradas pela Camera di Commercio di Genova, cujos números demonstravam o crescimento do movimento de navios e da tonelagem de mercadorias que entravam e saíam, Virgilio afirmava que:

Ma il maggior bene proveniente dall’emigrazione, ebbe a risentirlo il commercio, ed in modo particolare, la marina mercantile e tutti le arti alla stessa affini.
Da dopo che l’emigrazione italiana si è fatta più numerosa ed è divenuto più ragguardevole il numero dei nostri concittadini stabiliti dei diversi punti dell’America del mezzogiorno, il traffico con quelli scali è andato, come a tutti è noto, da vari anni gradatamente crescendo.

Outra questão de relevo relacionavase às possibilidades abertas para a incipiente indústria de lanifícios italiana. Através da importação de lã da Argentina e do Uruguai, acalentavase o sonho de promover a substituição da importação de tecidos manufaturados mediante a criação de estoques que forneceriam matéria-prima para as fábricas. A realidade que persistiu ao longo de vários anos, no entanto, era diferente. Enquanto grandes potências europeias exportavam capitais e quantidades massivas de produtos industrializados, a base das exportações italianas guiadas pela emigração era mais frágil, constituíase essencialmente de produtos alimentícios como vinho, azeite, massas, frutas, legumes, queijos, ou seja, bens de consumo perecíveis e sujeitos à forte concorrência interna .
Jacopo Virgilio não apresentou nada de original quando relacionou a prosperidade da nação ao comércio, sobretudo marítimo, e à “aquisição” de colônias. Fiel à sua formação de economista afinado com os interesses da indústria marítima lígure, porém, foi um dos primeiros pensadores italianos a perceber a potencialidade da emigração como instrumento para atingir esse fim. A emigração trazia consigo duas funções: criar mercados para os produtos italianos no exterior e, ao mesmo tempo, transformarse, sobretudo na fase inicial, na principal fonte de renda e estímulo ao crescimento da marinha mercante. Uma frase, quase ao final de seu livro, dá a medida correta de seu pensamento: “Insomma, senza colonie non vi ha vero commercio, non vi ha florida marina, non vi ha attività nelle industrie, né quindi prosperità nello Stato”.
Longe de serem unânimes, as ideias de Virgilio enfrentaram oposição, mesmo na Ligúria. A discórdia residia principalmente em relação à liberdade ou não de emigrar e para onde. Alguns de seus maiores críticos eram Giovanni Florenzano e Gerolamo Boccardo que ressaltavam os aspectos negativos da emigração para o reino, propondo o emprego dos trabalhadores italianos em obras de infraestrutura pelo interior da península . Por outro lado, a afinidade dos armadores e capitães genoveses com o economista quanto à importância da relação entre emigração, marinha mercante, colônias e comércio, ficou ainda mais evidente em 1881, na resposta da Società di Mutuo Soccorso dei Capitani Marittimi Liguri à Inchiesta Parlamentare per la Marina Mercante:

noi crediamo che l’emigrazione degli italiani all’estero, purchè diretta verso i centri commerciali ove è accolta amichevolmente, sia un bene, perché istruisce e sprona all’attività i più pigri e i più ignoranti. Dove sono molti connazionali radunati si stabilisce un consumo di prodotti nazionali, e un commercio colla madre patria, che a sua volta alimenta e crea linee di navigazione a vapore e dà lavoro ai veleri. Tutte le nazioni che possiedono colonie, le svilupparono colla corrente dell’emigrazione, e per contro, l’emigrazione arrichì e sviluppò le colonie stesse.

A Inchiesta per la Marina Mercante marcou o momento em que o governo italiano aderiu oficialmente à chamada via italiana do colonialismo comercial . Em conjunto com o problema central sobre qual tipo de intervenção deveria ser adotada para enfrentar a crise do transporte marítimo (subvenção ou prêmios de navegação), debateuse o papel da emigração e das colônias no desenvolvimento do comércio e da navegação. O ministro da Agricultura, ao comentar a Inchiesta, evidenciou a existência de um vínculo positivo entre fluxo migratório, colonização e desenvolvimento da riqueza nacional, o que obrigava à instituição de um programa de intervenção direta para favorecer a expansão do país no exterior . Nesse sentido, emigração, comércio e marinha mercante associavamse ao interesse nacional. Crescia a expectativa de que o fluxo de italianos para o exterior se transformasse em uma das ferramentas para desenvolver a economia do reino.
No início da década de 1890, a Argentina apresentavase como a área mais promissora em matéria de importação de produtos italianos, que não se reduzia apenas a vinho e azeite. Em 1891, as exportações de fios e tecidos de algodão começaram a crescer, o que reforçou o interesse dos industriais setentrionais pela tutela e organização da emigração transoceânica, na esperança de reservar um mercado para seus produtos . Segundo Annino, a indústria têxtil, a mais desenvolvida daquele período, exportava boa parte de sues produtos para a Argentina, resistindo bem à concorrência britânica . Vale destacar que as trocas de Itália e Argentina, entre 1892 e 1896, favoreciam a balança comercial da primeira, fato que persistiu até o final do século XIX, com a mudança qualitativa nas exportações italianas, que passou a vender não só produtos alimentícios, mas também manufaturados . O problema da emigração como fator de desenvolvimento, portanto, ampliavase geograficamente dentro da península: originário na Ligúria, agora alcançava as regiões mais industrializadas da Lombardia e do Piemonte.
Buscando inserção na economia mundial, a via italiana do colonialismo comercial apoiavase na seguinte relação direta: quanto mais emigrantes, maiores seriam as exportações. Seu sucesso, no entanto, foi relativo. Embora ganhasse força com o extraordinário aumento do fluxo, a ponto de se transformar em política de governo para o desenvolvimento da economia, com o passar do tempo, esse modelo de comércio exterior não apresentou resultados significativos por si só, evidenciando o papel secundário da Itália na rede mundial de comércio.
Na virada do século, cerca de quarenta anos depois dos primeiros passos, a emigração ainda criava expectativas positivas como um dos principais instrumentos para o surgimento da chamada La più grande Italia, a alternativa pacífica do colonialismo italiano. O objetivo era transformar o enorme exército de trabalhadores, comerciantes e agricultores, ainda ligados à pátriamãe, em seus defensores morais e econômicos, a vanguarda da expansão étnica e comercial. A criação de uma nova Italia al di là dell’Atlantico: era esse o caminho advogado por Luigi Einaudi, em estreita ligação com os interesses industriais do norte. Brasil e Argentina eram os países preferidos, justificados pela estatística do movimento do porto de Gênova que a cada ano fornecia à bandeira nacional (marinha a vapor) cerca de 27 milhões de liras, sendo a linha da América meridional responsável por 23 milhões de liras (85% do total).
Uma frase de Einaudi talvez seja a melhor síntese de seu pensamento sobre a estreita ligação entre emigração, indústria, expansão comercial e marinha mercante, que ganhava ainda mais força no crepúsculo do século XIX: “La fortuna dei contadini è fortuna di una delle maggiori industrie nazionali: la marina mercantile”.
Liberal, Luigi Einaudi acreditava que a emigração poderia ser o motor do capitalismo italiano e, portanto, deveria ser atividade de iniciativa privada. Essas ideias apareciam em seu livro Un principe mercante. Studio sulla espansione coloniale italiana, sobre a história de um empreendedor de Busto Arsizio chamado Enrico Dell’Acqua, que em alguns anos tornouse um rico industrial e exportador graças aos negócios com a América meridional – em especial, Argentina e Brasil. Einaudi exaltava os antigos princípios mercantis de Pisa, Gênova e Veneza presentes em Dell’Acqua, além de um distante passado glorioso.
Impossível, porém, distorcer os fatos que apontavam para o perfil da emigração em massa italiana, isto é, formada em sua imensa maioria por camponeses pobres e miseráveis, que partiam para o alémmar sem nenhum tipo de economia. Mas Einaudi enxergava vestígios de uma mudança nesse padrão emigratório, tão essencial para os seus anseios de desenvolvimento do reino: “Noi continuiamo a fornire soldati, ma abbiamo già cominciato ad esportare ‘capitani dell’industria’”.
Ainda no início do livro, justificou sua escolha em contar a trajetória de Dell’Acqua, ressaltando suas qualidades pessoais como um exemplo a ser seguido pela nação em busca de um lugar ao sol ao lado das grandes potências industriais da Europa.

Questo scritto ha dunque un duplice scopo: dimostrare come nell’America latina e sovratutto nell’Argentina l’emigrante italiano abbia saputo compiere opere grandi ed abbia dato origine ad una meravigliosa efflorescenza di “capitani dell’industria”. E scegliere poi fra questi numerosissimi “self made men” uno, il quale fosse quasi l’incarnazione viva delle qualità intellectuali ed organizzatrici destinate a trasformare la piccola Italia attuale in una futura “più grande Italia”, pacificamente espandente il suo nome e la sua schiatta gloriosa in un continente più ampio dell’antico impero Romano.
Ho scelto Enrico Dell’Acqua ad oggeto dei miei studi non solo perché è l’incarnazione tipica del principe mercante, ma anche perché esso è un esempio singolare di organizzatore di capitali e di uomini. Il lettore delle pagine che seguono vedrà, meravigliando, attraverso a quante lotte, a quanti ostacoli numerosi ed ognora risorgenti Enrico Dell’Acqua abbia costretto il capitali italiano a seguirlo nella sua impresa di conquista dell’America latina.
[…]
Se l’Italia potesse menar vanto di cento commercianti ed industriali, i quali possedessero, come il Dell’Acqua, la capacità di circondarsi di una coorte di commessi viaggiatori inteligenti ed abili a sorprendere i giusti e le abitudini dei paesi lontani, a saggiare le minime variazioni della domanda, a fare delle diagnosi acute degli stati di crisi e di prosperità […], la fortuna del nostro paese, come nazione industriale e commerciante, sarebbe assicurata, senza stimoli artificiali e senza interventi governativi .

Na ótica de Einaudi, a principal qualidade de Dell’Acqua foi deixar de lado a perspectiva expansionista na África – que dominava o cenário europeu à época – e perceber que “le correnti del traffico devono seguir le correnti della emigrazione dall’Italia”, pois as colônias livres e não as oficiais deveriam atrair os comerciantes desejosos de construir uma saída para os produtos da pátria mãe, valorizando vínculos com os núcleos de população italiana na América meridional . Estratégia que levou o industrial a abrir casas de exportação e importação em Buenos Aires, Montevidéu e São Paulo e, posteriormente, a construir uma fábrica de tecidos em São Paulo (1892) e outra na capital da Argentina (1894).
O modelo expansionista italiano em etapas apontado e defendido por Einaudi encontrava amparo no caso exemplar de Dell’Acqua: “Dopo l’emigrazione dei braccianti, contadini ed operai, si è iniziata in modeste proporzioni la emigrazione degli imprenditori e degli uomini intelligenti ed abili che sanno già fondare e dirigere industrie. L’Italia comincia ad esportare, accanto alla merce lavoro comune, dei capitani dell’industria; ma non è ancora giunta al livello dell’Inghilterra o della Germania, perché la esportazione dei capitali non è ancora cominciata”.
Na parte final do livro, à guisa de conclusão, Einaudi assinalava que a Itália encontravase em fase de transição e começava a exportar capitais, além de homens e mercadorias. Conclamava os “homens capazes”, como Dell’Acqua, observando, no entanto, que para conduzir a bom termo “questa gigantesca opera di colonizzazione che l’Italia ha così iniziata, non basta l’opera degli individui isolati” . Apesar de liberal convicto, o economista reconhecia, mesmo talvez a contragosto, a importância do Estado e das corporações, trustes e carteis na luta pelo desenvolvimento econômico nacional: “Dalla iniziativa dei suoi figli energici e colti e dalla saggezza dei suoi governati dipende se nel secolo ventesimo la nostra pátria sarà un piccolo paese, sperduto in un angolo del Mediterraneo, oppure un grande paese espandente la sua civiltà e la sua lingua su due continenti”.
A realidade, todavia, era muito diversa daquilo que tergiversava Einaudi. Os principi mercanti eram raros. A Itália não se tornaria uma grande exportadora de capitais, mas continuaria prevalentemente fornecendo italianos para atender a demanda por mão de obra no Novo Mundo, cumprindo, assim, seu papel no mercado internacional de trabalho.
Se individualmente, a trajetória de Enrico Dell’Acqua foi exitosa, a ampliação de seu exemplo para os contornos nacionais não creditaria a Itália a alcançar, mesmo que minimamente, os padrões de desenvolvimento econômico de potências europeias como Inglaterra e Alemanha, malgrados as esperanças de Einaudi. O percurso de vida de Angelo Fiorita talvez ilustre melhor o caso italiano sob o prisma da emigração.

2. OS NEGÓCIOS DE ANGELO FIORITA
Reconstruir os primeiros passos de Angelo Fiorita no Brasil não é tarefa fácil. A pesquisa em alguns periódicos brasileiros e italianos permitiu que se sanasse parcialmente esse problema. Em 1° de setembro de 1899, a revista “L’Amazzonia” publicou uma pequena biografia a partir de sua emigração para a América, em 1851, quando deixou Santa Margherita Ligure para se estabelecer no Brasil.
Inicialmente, apontava de maneira genérica as forças que impeliam os emigrantes da Ligúria a buscar novas perspectivas de vida na América meridional.

Em 1851, quando então o milagre das distantes Américas atraía parte da intensa atividade lígure e pelas alegres regiões estendendose sobre as encantadas praias do golfo de Tigullio moveram seus velozes veleiros centenas de jovens audazes, impacientes com o tempo e amantes do trabalho; quando a febre da América invadia mais que hoje os ânimos, falando à acesa fantasia a linguagem sedutora de atingível riqueza, o Cav. Angelo Fiorita jovem de idade e pleno de fé nas suas forças intelectuais e físicas, deixava sua terra natal Santa Margherita Ligure embarcando em Gênova para o outro lado do Oceano. Portava apenas dois tesouros inalienáveis: a força da juventude e a fé em si mesmo, aquela fé que é patrimônio somente daqueles os quais possuem vontade incontrolável, porém equilibrada, seriedade e honestidade de propósitos.

Prosseguindo, o texto revelava os passos de um homem sempre ligado ao comércio de exportação e importação – inicialmente, de mercadorias, depois, de imigrantes.

Após haver exercido por algum tempo o comércio em Pernambuco, estabeleceuse no Rio de Janeiro, onde fundou uma casa de modas, que importava de Paris, de Manchester, de Turim, de Gênova e de outras cidades fazendo com que aquele importante mercado brasileiro conhecesse as sedas e os tecidos italianos até aquela época quase desconhecidos.
Os negócios prosperaram e o jovem negociante pôde dar maior impulso aos seus empreendimentos, e uma vez que, como bom italiano, desejava que os produtos de sua pátria, até então pouco conhecidos e apreciados, encontrassem no Brasil uma útil colocação, assim começou a importar os vinhos da Sicília, as massas alimentares, e tantos outros gêneros produzidos em nosso país.
Angelo Fiorita via seu comércio crescer admiravelmente, o qual presidia infatigavelmente, dia e noite trabalhando com a mente e com o corpo, satisfeito pelo grande crédito e pela estima que o circundavam no Rio de Janeiro, onde já era considerado como um dos mais inteligentes, ativos e irrepreensíveis negociantes daquela praça.
A insuperável atividade deste homem não tinha nem podia ter limite. O seu nome havia já atravessado os confins do Rio de Janeiro. O eco de seus sucessos alcançou Gênova e outras principais cidades marítimas de nosso país. Por isso, à sua firma foram recomendados primeiramente todos os veleiros italianos, que atracavam no Rio em avaria e todos os outros provenientes de Gênova; e, depois, os vapores de Lavarello e de outras sociedades italianas de navegação.
Contemporaneamente ele iniciou, em grande escala e com sorte variada, o comércio de café e de algodão, que expedia em abundância aos principais mercados italianos, franceses, ingleses e austríacos.
Deu depois vida no Rio de Janeiro a uma empresa de tijolos e de cimentos, materiais até então desconhecidos no Brasil; e uma vez que aquela indústria vingou, fez construir uma fábrica de tijolos, de cimentos e de molduras para casas na rua Menina de Botafogo.
Em seguida fundou um fábrica de sacos de juta, sem costura, para café e cereais; fábrica que em breve assumiu uma grande importância, e que ele teve de ceder em plena atividade não podendo atender a tantas e variadas ocupações. Essa fábrica ainda existe próspera e vigorosa.
A Angelo Fiorita foram entregues os primeiros contratos de emigração pelo Estado de São Paulo, pelo Governo Federal e por outros estados que iniciaram a colonização com braços europeus.
São mais de um milhão de emigrantes – italianos, em sua grande maioria – que ele introduziu no Brasil. O seu nome é, portanto, estreitamente ligado, como aquele de seu genro Gavotti, ao ressurgimento agrícola dos principais estados da Federação Brasileira.
Hoje – depois de 48 anos ininterruptos de trabalho – teria direito a um merecido repouso; mas ele está ainda sulla breccia trabalhando com o vigor e o entusiasmo da antiga juventude.
Vemo-lo assim na chefia de uma Casa de Câmbio e Valores, de negócios de banco e consignação de barcos no Rio de Janeiro; da Casa Fiorita & De Vincenzi representante geral da Società Generale di Navigazione Italiana; e da Casa A. Fiorita & C., agente da Ligure Brasiliana e da colossal Companhia japonesa Ippon Emigration Company, na mesma cidade do Rio de Janeiro.

Trajetória de sucesso de um emigrante que fez fortuna na nova terra de adoção, uma espécie de principe mercante, parafraseando o título do já citado livro de Luigi Einaudi. Com auxílio do Almanak Laemmert foi possível identificar melhor algumas das atividades comerciais de Angelo Fiorita na capital do Império. A partir de 1856, uma firma com seu sobrenome, a Fiorita Canessa & C., estabelecida na rua da Quitanda, apareceu na seção “morada dos negociantes”. Em 1858, o nome foi trocado para Fiorita Flora & C., mas continuou no mesmo endereço. Em 1859, estabeleceu sociedade com outro italiano, criando a Fiorita & Tavolara, que perduraria por décadas. Em 1873, a sede mudou para a rua da Alfândega . Segundo Franco Cenni, essa foi a primeira casa de comércio de produtos importados da Itália no Rio de Janeiro .
Três pessoas faziam parte da sociedade: Angelo Fiorita, Manoel de Passos Malheiros e Luiz Felipe Tavolara, este residente em Paris. Segundo o Almanak, a casa dedicavase ao comércio de importação e exportação e comissões; era agente da companhia de vapores Servizio Postale Italiana e de outros vapores; trabalhava com saques e vales postais pagáveis em qualquer ponto da Itália. Em 1883, anúncios de página inteira mostravam a quem pertenciam esses vapores: Fiorita & Tavolara eram agentes da Societá G. B. Lavarello & C., da Società Rocco Piaggio & Figlio e da Societá Schiaffino, todas de Gênova. Com a dissolução da Lavarello e a constituição da La Veloce Navigazione Italiana, a casa herdou essa representação. As importações de produtos italianos ou mesmo franceses vinham nas embarcações que invariavelmente partiam de Gênova, passavam por Nápoles e Marselha, até chegar ao Rio de Janeiro. O serviço de venda de passagens de 1ª, 2ª e 3ª classes também era responsabilidade da Fiorita & Tavolara .
Em 1886, a casa entrou em liquidação e os anúncios das companhias de navegação já apareciam apenas com o nome de um único agente, Angelo Fiorita, ainda na rua da Alfândega. Suas atividades ampliaramse: envio e recebimento de dinheiro da Itália, representação da La Veloce, das novas companhias Fratelli Lavarello e Schiaffino & Solari, e de uma fábrica de sacos sem costura, a Leslie & C. . Por volta de 1896, Angelo Fiorita, mesmo preservando sua agência, associouse a um antigo representante da Navigazione Generale Italiana no Rio de Janeiro para formar a Fiorita & De Vicenze, ampliando, assim, suas relações com as companhias de navegação italianas.
Seus negócios, no entanto, não se restringiram ao Rio de Janeiro. Na década de 1880, Angelo Fiorita já estava instalado em Santos e, provavelmente em São Paulo, onde celebraria contratos para introdução de imigrantes com o governo, aproveitandose de sua sólida rede de relações comerciais na Itália, sobretudo na Ligúria. Ao final do século XIX, Fiorita abriu uma sede em Belém do Pará, que também tratava dos assuntos de Manaus, para representar os interesses da companhia de navegação Ligure Brasiliana, cujo proprietário Gustavo Gavotti, seu genro, havia estabelecido uma linha regular de vapores entre Gênova e o norte do Brasil. Desde sua criação, em 1897, a companhia passou a ter Angelo Fiorita como seu agente em Santos, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Santos, os negócios também se relacionavam com exportação e importação. Seu nome figurou na lista de sócios em alguns relatórios da Associação Comercial da cidade. Em 1899, a A. Fiorita & C. subscreveu, juntamente com outros oito autodenominados agentes de companhias de navegação a vapor, um abaixo-assinado enviado ao presidente da Associação para que este solicitasse ao Presidente da República auxílio para suprir “a falta no mercado de esteiras para estiva dos vapores que demandam este porto, para conduzir café para o exterior” .
Apontado pela revista “L’Amazzonia” como importante exportador de café para a Itália e outros poucos países da Europa, Angelo Fiorita, na verdade, ficou conhecido em São Paulo, Santos e Rio de Janeiro, como o proprietário da principal agência de recrutamento de italianos, e o maior beneficiário dos grandes contratos para introdução de imigrantes.
Uma história que começou em 1886, já no primeiro acordo com a Sociedade Promotora de Imigração para introdução de 6 mil imigrantes com passagens subsidiadas pelo Estado de São Paulo. Suas relações na Itália, cultivadas há anos como homem de negócio, foram fundamentais para que se lançasse nessa empreitada e conseguisse executála com sucesso, tanto em São Paulo quanto no resto do país. Ao que tudo indica, Angelo Fiorita tinha ligações com o ambiente político-administrativo no Rio de Janeiro, e, no caso paulista, com importantes cafeicultores – como comprovam os vantajosos contratos firmados com o governo geral e o rápido reconhecimento de sua agência pela Sociedade Promotora como praticamente sua única parceira .
O “Fanfulla” , jornal dedicado à comunidade italiana que vivia em São Paulo, publicou artigos criticando a “quase total exclusividade” dada a Angelo Fiorita & C. na execução dos contratos para introdução de imigrantes estabelecidos com a Sociedade Promotora de Imigração e com o governo geral, insinuando, inclusive, favorecimento ilícito . As críticas e denúncias contra Fiorita invariavelmente eram assinadas por Omino di Bronzo – provavelmente um pseudônimo. Em 4 de junho de 1894, o jornal publicou carta enviada pela Angelo Fiorita & C. à La Veloce. No documento, a proposta para que a companhia transportasse os emigrantes recrutados para o Brasil, inclusive espanhóis e portugueses, e a revelação da capacidade de articulação política de seu proprietário em terras italianas e brasileiras. O ano era 1890, quando a emigração para o Brasil estava suspensa por ordem de Crispi .

A respeito disso [transporte de imigrantes], obtivemos do ministro Sr. Francisco Glicério facilitações especiais, sendo ele íntimo de nosso chefe Sr. Fiorita.
Nesse momento devemos advertilos de uma coisa: encontramse aqui os senhores Edoardo Pierantoni e Salvatore Nicosta, o primo irmão do senador italiano Pierantoni, para tratar com este governo uma grande operação; uma imensa concessão de terras para colonizar, com capital inglês.
Quando o negócio for concluído, pelo qual o nosso chefe Sr. Angelo Fiorita trabalha junto a S. E. ministro Glicério com certeza de êxito, Pierantoni partirá para Roma com uma concessão de 100 mil emigrantes.
Tudo está combinado de forma que, com o apoio político desses homens, será fácil convencer Crispi a reabrir os portos para a emigração.

Em 1896, durante outra suspensão da emigração devido aos protestos contra italianos em São Paulo, quando dois vapores – America e Raggio – com cerca de 2 mil passageiros de 3ª classe foram proibidos de partir de Gênova para o Brasil, também ficou demonstrado o prestígio de Fiorita. Seu genro, Gustavo Gavotti, telegrafou pedindo sua intervenção junto ao ministro plenipotenciário para que este solicitasse ao governo brasileiro, permissão para o desembarque dos imigrantes e sua tutela .
Os serviços prestados por Angelo Fiorita através dos contratos de introdução de imigrantes eram fundamentais. Ao assumirem o controle político da província, os cafeicultores do oeste paulista passaram a usufruir diretamente dos cofres públicos para desencadear seu projeto de imigração subsidiada. A participação do poder público subsidiando as passagens e as críticas condições econômicas de alguns países europeus, como a Itália, viabilizaram a transferência massiva de mão de obra em inúmeras viagens pelo Atlântico.
O primeiro contrato, de 3 de julho de 1886, estabelecia a vinda de 6 mil imigrantes, mediante a subvenção de 85$000 (maiores de 12 anos), 42$500 (7 a 12 anos) e 21$250 (3 a 7 anos). O segundo, de 22 de julho de 1887, determinava a introdução de 30 mil imigrantes, a um preço menor distribuído pela mesma faixa etária: 75$000, 37$500 e 18$750. Valores repetidos no terceiro contrato, de 2 de março de 1888, que fixou a introdução de 60 mil imigrantes . O primeiro acordo, satisfeito em oito meses, custou aos cofres da província de São Paulo a quantia de 374: 722$000 ; o segundo, cumprido em 10 meses, 1.828: 750$000; o terceiro, mais ambicioso, demandou mais de três anos para ser cumprido, custando 3.378: 371$250 . Em suma, o total de gastos para introdução de 99.882 imigrantes quase alcançou 6 mil contos de réis, pagos ao longo de pouco mais de quatro anos e meio.
A Angelo Fiorita & C. constituiuse na principal parceira da Sociedade Promotora e a única responsável pela introdução dos 36 mil imigrantes dos contratos de 3 de julho de 1886 e 27 de julho de 1887. Posteriormente, no acordo para a introdução de 60 mil, a agência contou com a colaboração de Zerrenner Büllow & C. e José Antunes dos Santos. As três agências praticamente dividiam as áreas de recrutamento na Europa. Angelo Fiorita & C. trazia imigrantes italianos, austríacos e suíços; José Antunes dos Santos, os procedentes de Portugal continental, Madeira e Açores; Zerrenner Büllow & C. agia apenas na Alemanha. Todas eram agentes ou representantes de companhias de navegação italianas, alemãs e francesas.
De acordo com os dois relatórios da Sociedade Promotora de Imigração apresentados ao governo paulista, em novembro de 1887 e em janeiro de 1892, a Angelo Fiorita & C. recebeu a quantia de 5.661: 566$250. Valor que incluía os serviços prestados ao governo central, intermediado pela Sociedade Promotora de Imigração. O que importa, no entanto, é o volume de dinheiro que passou pelas mãos da Angelo Fiorita & C., antes uma representação comercial que já se delineava como a mais importante recrutadora de imigrantes não só de São Paulo, mas de todo país.
O contrato de 1892, que estabeleceu a introdução de 50 mil imigrantes teve mais uma vez o amplo domínio dos serviços da agência Angelo Fiorita & C, responsável pela vinda de 45.787 pessoas . Fato recorrente no acordo seguinte, de 10 de janeiro de 1893, para trazer mais 40 mil trabalhadores europeus. Cálculos elaborados a partir dos dados do Livro Caixa da Sociedade Promotora de Imigração permitem afirmar que a Angelo Fiorita & C. era realmente a grande parceira da Promotora, trazendo a esmagadora maioria dos imigrantes, com resultados financeiros que ultrapassaram os 10 mil contos de réis .
O acordo de 1893 foi o último com a participação da Sociedade Promotora de Imigração que, em 31 de dezembro de 1895, encerrou suas atividades. A partir de então, os contratos de introdução de imigrantes passaram para a Secretaria da Agricultura de São Paulo. Função assumida precocemente, já em 21 de agosto de 1894, quando foi concluído o primeiro acordo entre o Estado e a Angelo Fiorita & C. para trazer 50 mil europeus. Em 1896, o governo paulista abriu mais uma concorrência para a escolha do parceiro na introdução de imigrantes e, em 7 de março, celebrou novo contrato com Angelo Fiorita & C. para trazer 45 mil europeus: italianos, holandeses, suecos, alemães, noruegueses, ingleses, austríacos portugueses e espanhóis, além de 10 mil canadenses da província de Quebec .
Mesmo antes do encerramento do último contrato, Angelo Fiorita & C. apresentouse em nova concorrência para introdução de imigrantes. Em resposta ao edital de 26 de abril de 1897, a agência elaborou proposta para introdução de 40 mil imigrantes em 12 meses, todos agricultores, sendo 10 mil austríacos e 30 mil italianos, com cotas específicas para cada região de origem. A subvenção proposta era semelhante ao contrato anterior, ou seja, valores maiores para os egressos da Áustria. No final do documento, uma declaração reveladora da preferência pela referida casa: “os proponentes deixam de apresentar documentos que provem a sua idoneidade, porque, até a presente data, o serviço de imigração neste Estado tem sido feito exclusivamente pelos proponentes” .
O contrato foi assinado em 6 de agosto de 1897 e era cópia fiel da proposta vitoriosa apresentada pela Angelo Fiorita & C.. Ao que tudo indica, esse acordo foi finalmente honrado com a chegada, prevista para janeiro de 1901, de quatro vapores vindos de Gênova, transportando 2.798 imigrantes .
Na virada do século, no entanto, a política paulista de subvenção de passagens sofreu importante alteração com a Lei n. 673, de 9 de setembro de 1899, sobre o serviço de introdução de imigrantes, regulamentada pelo Decreto n. 823, de 20 de setembro de 1900. A lei fixou um prêmio de 50 francos por imigrante a ser pago a companhias de navegação ou armadores que se encarregassem de trazer braços para a lavoura .
Mais modestos, os acordos firmados no novo século, refletiram a modificação no programa imigratório, promoveram certa diversidade das agências contratadas, mas a antiga parceira da Sociedade Promotora e do governo paulista continuou prestando serviços. Em 24 de março de 1901, a Angelo Fiorita & C. firmou contrato para introdução de 7 mil italianos , cumprido durante o período combinado, trazendo 7.174 imigrantes .
A partir da metade final do primeiro decênio do século XX, a entrada de imigrantes em São Paulo apresentou significativa modificação quanto à diversidade da nacionalidade dos que chegavam. Os italianos, sempre maioria, foram ultrapassados pela primeira vez pelos espanhóis. Tal fato pode ser creditado à entrada em vigor da lei de emigração italiana de 1901, cujos reflexos foram sentidos nos anos seguintes, mas também aos efeitos negativos causados pelas condições dos colonos nas fazendas, que se agravavam a cada crise na economia cafeeira. No entanto, mesmo após o Decreto Prinetti de 1902, que proibiu a emigração subsidiada para o Brasil, os imigrantes italianos ainda constituíam a maioria, ao menos até 1905 e 1906 , quando os espanhóis acabaram por superálos. Isso se deveu mais ao aumento incomum por parte dos egressos da Espanha do que à queda do fluxo de italianos.
O programa imigratório de São Paulo foi caracterizado pela subvenção das passagens aos imigrantes que vinham através dos contratos de introdução ou espontaneamente, desde que obedecidas as especificações da legislação . Boa parte desses subsídios teve como destino a agência de Angelo Fiorita, sobretudo quando relacionados à imigração italiana, o que poderia conferir a este lígure o título de “príncipe dos mercadores de braços”.

3. A COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LIGURE BRASILIANA
Angelo Fiorita não era representante apenas das maiores companhias de navegação da Itália e da França. Esteve ligado também a uma sociedade de navegação mais modesta, porém com objetivos muito ambiciosos, em meio ao expansionismo italiano que, como observado anteriormente, relacionava intimamente emigração, colônias, marinha mercante e comércio. A Società Anonima di Navigazione Ligure Brasiliana tomou forma quando o deputado Gustavo Gavotti, um fretador de navios e distribuidor de emigrantes para diversas companhias pequenas que exercitavam a linha de navegação entre Itália e América do Sul, resolveu trabalhar com seus próprios vapores .
Entre as sociedades de navegação da Itália, a Ligure Brasiliana foi um empreendimento sui generis, cujo objetivo era estabelecer ligação comercial entre Itália e Brasil apoiada no fluxo de emigrantes. De forma pioneira, e com viés nitidamente expansionista, tentou ampliar esses laços para os estados do Amazonas e do Pará através da criação da rota marítima Gênova-Belém-Manaus, com o intuito de fomentar o desenvolvimento de trocas comerciais, de conquistar mercados para produtos italianos e promover a colonização agrícola com imigrantes.
Pelo lado brasileiro, a receptividade dessa nova linha ligando a região Norte à Europa era grande. Antes mesmo da viagem inaugural, Gavotti assinou um contrato com o estado do Pará, em 18 de janeiro de 1897, com validade de dez anos, garantindo a subvenção de 360 mil francos (370 contos de réis) por 12 viagens anuais . Com o Amazonas, o acordo foi firmado em 21 de maio do mesmo ano, no valor de 365 contos por igual período . O objetivo dos dois governos era desenvolver o comércio de exportação de produtos nativos e estabelecer um fluxo migratório para Amazônia, elevando sua densidade demográfica e, através de um programa estatal de constituição de colônias, desenvolver o potencial agrícola da região .
A falta de documentação referente aos primeiros anos de existência da Ligure Brasiliana representou lacuna significativa e impossibilitou a avaliação dos resultados financeiros no período relacionado à rota Gênova-Belém-Manaus. Os relatórios dos governadores de Amazonas e Pará, porém, não deixam margem a dúvidas de que as expectativas não foram nem de longe alcançadas: reduzido fluxo de imigrantes e de trocas de mercadorias .
Para executar os serviços a que se propôs – transportar emigrantes para o Brasil e região do Prata e manter uma linha regular mensal entre Gênova e os dois estados –, a companhia utilizou inicialmente três vapores herdados da Ligure Romana, todos construídos entre 1891-1892 – Re Umberto, Rio Amazonas e Minas. A política de aproveitar ao máximo o material de navegação fez com que os três navios permanecessem em serviço até 1910, contando, inclusive, com a patente de vetor de emigração fornecida pelo Commissariato dell’Emigrazione. Somente em 1911 foram comprados do Lloyd Italiano os vapores Cavour (1905) e Garibaldi (1906), conferindo à companhia material náutico um pouco mais moderno.
A Ligure Brasiliana também transportou imigrantes para os portos de Santos, Rio de Janeiro e Vitória durante a vigência dos contratos da Angelo Fiorita & C. e até mesmo depois. Uma estreita relação que levou Fiorita a estabelecer uma casa de exportação e importação e uma agência marítima em Belém para representar os negócios da Ligure Brasiliana nos estados do Amazonas e Pará. Interesses em comum que permitiram a Enrico Ferrari identificar a existência do “grupo Gavotti-Fiorita” agindo nos dois lados do Atlântico .
Angelo Fiorita, associado a Gustavo Gavotti e ao banqueiro Giuseppe Massone – ambos seus genros – constituíram uma cadeia completa a serviço da imigração. O transporte era realizado em boa parte pelos vapores da Ligure Brasiliana. No Brasil, Fiorita detinha a grande maioria dos contratos de introdução de imigrantes com o governo central; em São Paulo, era o grande parceiro da Sociedade Promotora de Imigração. Na Itália, o recrutamento também contava com a participação desse grupo. Junto à companhia de navegação, desenvolveuse a atividade de agenciamento da emigração através da Ligure Americana, com sede em Gênova, na qual operavam Secondo Gavotti, parente de Gustavo, e Giuseppe Fornari. Este era sócio da Fornari & Calabrese, agente marítimo para passageiros de 3ª classe para Itália meridional, estabelecida em Nápoles. A casa representava a Ligure Brasiliana e oferecia emigração gratuita para Santos e São Paulo também por intermédio da agência Ligure Americana .
Bem articulado, o grupo fez do binômio comércio/emigração a base de seus negócios. No entanto, isso não significa que a Ligure Brasiliana monopolizou o transporte subvencionado de imigrantes italianos para o Brasil. Como já foi observado, Fiorita era agente de várias companhias de navegação e a empresa de Gavotti não tinha condições materiais de encampar sozinha esse volumoso fluxo. Mas também é fato que, sem Angelo Fiorita, as condições para o desenvolvimento da Ligure Brasiliana seriam totalmente diversas.
A Ligure Brasiliana, em sua criação e trajetória, personificou, de um lado, os anseios por uma Itália mais forte política e economicamente, associada ao estabelecimento de colônias; de outro, os interesses de grupos ligados à marinha mercante e à construção naval, todos cientes e esperançosos de que a via do expansionismo pacífico, apoiado na emigração, seria a alternativa para a construção da La più grande Italia, viabilizada pelo desenvolvimento de seus negócios. Seu fracasso, no entanto, ficou patente em 1903, quando a linha Gênova-Belém-Manaus foi extinta e, três anos mais tarde, toda a frota da Ligure Brasiliana encontravase direcionada apenas para a região do Prata. O Brasil saia, então, do horizonte da companhia.
Como já se observou, a proposta de Gustavo Gavotti era bastante ambiciosa, mas com o passar do tempo revelouse frágil. O projeto necessitava ser adequadamente sustentado por constante propaganda, aproveitando a repercussão do expansionismo colonial entre armadores, políticos e pensadores. Para defender seus interesses, o então deputado patrocinou a publicação da revista “L’Amazzonia. Organo degli interessi dell’Amazzonia”. O periódico quinzenal – publicado entre 15 de julho de 1898 e 15 de janeiro de 1900, totalizando 25 edições – tinha o objetivo divulgar aspectos positivos da região Norte do Brasil. Pretensão delineada em seu primeiro número, sob o título Il nostro programma: “emerge chiaro lo scopo del nostro giornale. Facendo propaganda a favore degli Stati del Nord del Brasile, miriamo a favorire lo scambio dei prodotti dei due paesi e, più che altro, a farci conoscere come produttori, come commercianti arditi e intelligenti: in una parola a consolidare a Belem e a Manaos il predominio di cui ora, mercè l’iniziativa audace dell’armatore Gavotti, gode l’Italia” .
Dirigida pelo jornalista Oreste Calamai, a revista possuía respeitados colaboradores do circuito intelectual genovês, como os geógrafos Vicenzo Grossi e Bernardino Frescura e o publicista Oreste Mosca. Editava reportagens diversificadas sobre a região: estudos de geografia física e humana, condições sanitárias, dados sobre produção e comércio (sobretudo da borracha), análises da situação política e, é claro, sobre questões relacionadas à emigração e à colonização.
A linha editorial da “L’Amazzonia” estava afinada com o modelo de colônias pacíficas apoiado nos emigrantes italianos e na penetração comercial. Os dois vetores fundamentais eram a linha expansionista dirigida à Amazônia, instrumentalizada pela Ligure Brasiliana, e o próprio fluxo migratório italiano para o Centro-Sul do Brasil.
Fazendo contraponto à linha africanista abraçada pelos dois governos de Crispi (1887-1891 e 1893-1896), a “L’Amazzonia” defendia que o futuro dos emigrantes italianos, fossem proletários, camponeses ou mesmo aqueles que com algum dinheiro “procuravam um lugar ao sol”, não estava na Eritréia, na Etiópia, nem no Brasil meridional, mas na região Amazônica. Para tanto, não bastava apontar as dificuldades da empresa africana, como o clima insalubre, os nativos indóceis, o alto custo financeiro de retorno incerto. Fazia-se necessário ressaltar as qualidades das férteis terras setentrionais brasileiras e alertar para a cobiça de outras nações, sobretudo a França que, no entender da revista, patrocinava viagens de reconhecimento e estudo pela região.
Por outro lado, a vertente comercial da iniciativa de Gustavo Gavotti ficou patente quando, juntamente com outras forças econômicas da Itália setentrional, constituiu, em 1899, a Società Mi-lanese d’Esportazione. O objetivo era incrementar o fluxo de produtos industriais nos mercados do norte do Brasil a serem transportados pela Ligure Brasiliana. Propósitos privados ambiciosos apresentados como problemas nacionais na revista “L’Amazzonia”, um exemplo de expressão da consciência do deputado Gavotti e de seu grupo – do qual Fiorita fazia parte – em utilizar a imprensa para defender seus negócios.

4. SOB O PRISMA DA EMIGRAÇÃO: FIORITA E DELL’ACQUA
Em 22 de maio de 1903, a revista “La Marina Mercantile Italiana” anunciava a morte de Angelo Fiorita, no Rio de Janeiro. O breve relato descrevia parte de suas atividades no Brasil.

Ci giunge notizia della morte avvenuta, pochi giorni or sono, a Rio Janeiro del Cav. Angelo Fiorita.
Partito giovanissimo per il Brasile, Egli coll’attività, coll’intelligenza e coll’onestà seppe crearsi una posizione economica e sociale invidiabile. Dedicatosi al commercio del caffè, divenne uno dei principali esportatori si da inviare ai principali mercati d’ Europa centinaia di migliaia di sacchi all’anno.
Soppraggiunta la crisi di questo ricco prodotto, si applicò specialmente al commercio marittimo; e il buon nome che lo circondava era tanto che quase tutti i vapori italiani andavano a lui raccomandati. Cosi era rappresentante delle Società “Navigazione Generale Italiana” e “Ligure Brasiliana” e degli armatori Duffor e Bruzzo, Zino ed altri.
Lavoratore instancabile, mori come visse, lavorando, come un soldado sulla breccia, a 75 anni di età.
La sua morte ha gittato nel luto i parenti e gli amici che numerosi contava in Italia e nella sua seconda Patria: il Brasile. A Rio Janeiro gli vennero fatti funerali imponenti: la colonia Italiana vi era largamente rappresentata. La salma sarà trasportata in Italia per essere tumulata nel sepolereto di famiglia, in Santa Margherita Ligure.
Al figlio Angelo, alle figlie Adelina e Marequita, alle sorelle Luigia ved. Cambiaso e Caterina, ai generi Banchiere Giuseppe Massone e Onorevole Avv. Gustavo Gavotti, ai nipoti tutti e in specie ai signori Dott. Giovanni Buscaglione e Marco Passalacqua, nostri amici carissimi, ed alle nipoti, le nostre più sincere e sentite condoglianze.

Uma semana antes, em 15 de maio, o “Jornal do Commercio” já noticiava o falecimento de Fiorita, já com 80 anos de idade, acompanhado de uma breve biografia, em que destacava as atividades dele como negociante, dono de várias firmas e empresas, agente de companhias de navegação e principal responsável pela vinda de milhares de colonos italianos para o Brasil .
À época de sua morte, já não existiam mais os grandes contratos para introdução de imigrantes com passagens subvencionadas e o governo republicano já não interferia mais de forma ativa na imigração. Em São Paulo, com a fixação de um prêmio a ser pago às companhias de navegação ou aos armadores encarregados de trazer braços para a lavoura, as agências de introdução de imigrantes, como a de Angelo Fiorita, perderam sua principal fonte de ganhos, mas continuaram representando as companhias de navegação na venda de passagens e consignação de mercadorias ou mesmo trazendo imigrantes dentro do novo regime imposto pela lei.
Em 1903, as sociedades das quais Fiorita participava começaram a se reestruturar. No Rio de Janeiro, a Fiorita & De Vicenzi deu lugar à firma Matarazzo & De Vicenzi, nomeada agente geral para o Brasil da Navigazione Generale Italiana. Em Santos e São Paulo, essa representação passou para Matarazzo & C . Quanto à Ligure Brasiliana, anúncios no “Jornal do Commercio” indicavam que a companhia ainda era representada pela A. Fiorita & C. até 1904, quando a firma entrou em liquidação. No mesmo ano, surgiu a D. Fiorita & C., cujos sócios eram Dario Fiorita Agnese, Giacomo Agnese e Luiz de Araujo. A nova sociedade tornouse agente não apenas da companhia de Gustavo Gavotti, mas também da recémcriada Lloyd Italiano Società di Navigazione, além de realizar operações de saques na Europa e América do Sul e envio de dinheiro para a Itália através de vales postais ou telégrafo . A partir de 1904, porém, nenhuma agência ligada ao sobrenome Fiorita figurou nas Listas Gerais de Desembarque de Passageiros no porto de Santos , apesar de o Almanak Laemmert descrever a D. Fiorita & C. como “introductores de colonos ou encarregados de contractar colonos” .
No testamento deixado por Angelo Fiorita, um patrimônio construído ao longo de sua trajetória em terras brasileiras: títulos de renda da Itália, apólices do estado do Espírito Santo e dinheiro em espécie, que chegavam a quase dois mil contos de réis . Certamente, apenas uma fração de seus bens. Seriam necessárias pesquisas específicas para identificar todo seu patrimônio, consultando, além de seu inventário, o de sua mulher e filhos, tanto no Brasil quanto na Itália. De qualquer forma, o documento dá a medida do tamanho da fortuna de Angelo Fiorita construída, em grande parte, atuando como o maior responsável pelo tráfico de imigrantes no circuito Brasil-Itália, durante as últimas décadas do século XIX.
A história de Angelo Fiorita ilumina o tema deste artigo, cuja preocupação central não reside na comparação entre ele e Enrico Dell’Acqua, mas em analisar, através desses dois exemplos, sob o prisma das obras de Jacopo Virgilio e Luigi Einaudi, o papel da emigração no desenvolvimento econômico da Itália. Pensadas e redigidas em momentos e locais diferentes, ambas identificaram na emigração para a América uma oportunidade que não poderia ser desperdiçada pelo país. Na ótica de Virgilio, em benefício da marinha mercante e do comércio. Na visão de Einaudi, a favor da emergente industrialização da região norte, cujo caso exemplar era a trajetória de Dell’Acqua.
No período analisado, a perspectiva panorâmica da emigração italiana permite a percepção de que o grande volume do êxodo favoreceu significativamente a marinha mercante, incluindo o setor de construção naval, mas não representou um grande mercado para produtos industriais nacionais através das chamadas “colônias pacíficas” na América meridional. Apesar das expectativas de Einaudi, simbolizadas por Enrico Dell’Acqua, seu principe mercante, talvez Angelo Fiorita, um mercador que por meio de sólida rede a serviço da imigração constituiu fortuna recrutando e embarcando homens, mulheres e crianças para o Novo Mundo, sintetize melhor o momento pelo qual passava a Itália. Uma economia exportadora de força de trabalho em massa que transformou, já a partir da metade da década de 1890, seus emigrantes em produtores de renda no exterior, em detrimento do mercado interno de consumo . Com uma base industrial ainda frágil, sobretudo quando comparada às potências europeias, a Itália praticamente não exportava capitais, mas as volumosas remessas enviadas por seus emigrados que laboravam no exterior, como bem observou Gramsci, acabariam por ajudar, mesmo que indiretamente, o financiamento da indústria do norte .